Leia Mais
ENCONTRO EM SALVADOR.
I
Que diabo vim fazer aqui? Angústia, suor, sinal de pânico, coloquei a mão no bolso, drágea cor de rosa, salivei a boca, engoli, acendi um cigarro.- o senhor é do Rio?. - um resmungo – sim! .– a passeio?...- negócios!... negócios de coração, negócios de sexo, negócios de foda, pensei... o encontro será num hotel, antes um telefonema... amor cheguei!... fez boa viagem? saudades!... te amo!... te adoro!... eu também!... já vou aí! beijo!... diálogo imaginário, adoro, te amo, visto e repetido dezenas de vezes na tela do monitor, angústia do real, o virtual deixado no Rio, antevisão da aproximação, um tormento... sexo para mim coisa complicada, jogo de sedução levado ao extremo, satisfeito quando elas imploravam, eu mergulhava às cegas, era como enfiar a mão num baralho para colher a carta desejada, estranha, cômica, imprevisível forma de afirmação, de saciar o apetite...
– Pára! - gritei ao motorista.
– Aqui, doutor?
– Me espera!
Atravessei a estrada, na beira da praia tirei os mocassins, andei pela areia, aproximei-me, olhei o mar, o céu, inquietei-me, ela não virou o rosto, dei um passo à frente, nos olhos dela transparência sonhadora.
– Queria que fosse noite - escutei – escuro, é na escuridão que se vê a luz! E o mar, por que não silencia? No silêncio ouvem-se vozes!
O insólito de suas palavras, me surpreendeu. Pigarreei, falei:
– Religiosa? Trecho de algum sermão?
Acendi um cigarro...
– Me dê um também!
Entreguei o meu, acendi outro.
– Gosto de enfrentar o mar! Ele me chama, eu respondo... não será hoje, qualquer outro dia, mas não... – tragou, jogou o cigarro ainda aceso na direção das ondas – preciso decidir!
Calafrio, desconforto.
– Não tá pensando em...
– Morte?
A risada dela pareceu-me forçada.
– Sexo é bem melhor, falei com displicência – sexo e morte, o extremo do prazer e da dor.
– Os extremos se tocam!
– Sexo e morte – repeti – atingem o sagrado, quase religioso. Faço pouco da morte e considero o ato sexual hilário!
Aguardei uma risada que não veio.
– Às vezes sinto medo – falou – queria morrer numa madrugada.
Escutei um espécie de soluço.
Desejo apossou-se de mim, meu ventre tencionou, queria abraçá-la, tentei um movimento, imaginei a cena em ralenti, meu braço num avanço lento, o rosto dela virando... nada aconteceu.
– A longa espera! – falei irônico.
– Debochado, não?
Sorri.
– Mas educado... faço pouco da tristeza.
– Angústia... sou dominada por ela, sou seu súdito.
– Basbaquice! – gritei.
Ela virou-se e riu.
– Esqueceu da educação?– olhou-me por uns segundos. –Carioca? Com certeza! Quantos anos?
– Sim! Anos? Bastante! Podia ser seu pai! Mas ser velho tem suas vantagens, os medos se vão, os pudores desaparecem! Você me...
– ...atrai? – aproximou-se. – Me quer?
Desviei o olhar, meu cinismo afogado no desejo, senti-me embaraçado, acendi outro cigarro, através da fumaça vi o motorista encostado no carro, parecia sorrir, visão de sanidade.
– Por que parou aqui e veio falar comigo. Por que?
Esperava a pergunta, mas não sabia a resposta.
– Sou levado por impulsos! A vida é feita de impulsos que nos levam para frente, modificam o nosso comportamento embora acho que continuamos sempre os mesmos.
Ela riu.
- Filósofo?
Escutei as ondas, a resposta viria delas?
– Estava a caminho da cidade, o mar, o céu, a silhueta de uma mulher, sua sombra na areia branca, visão quase sacra. Gosto de imagens e analiso o que se esconde atrás delas. Você... – não sabia como continuar.
– É ligado ao cinema? – perguntou.
– Gosto muito...
Senti-me gauche, queria partir... fiquei.
– Antonioni! – falou ela. – Me beija!.
Vi lábios entreabertos, segurei a cabeça dela, encostei a boca, o cigarro fumegava na minha outra mão... afastou-me com delicadeza.
– Sabe há quanto tempo não me beijam? Seis anos! – falou. – Gosto de ser beijada.
Joguei o cigarro na areia.
– Te levo pro centro. Dispensa o táxi! – segurou minha mão – Obrigado por não fazer perguntas.
Excitação, receio, e se não chego a tempo no hotel?
– O maior dos prazeres, talvez seja o de avaliar as...
– ...pessoas! Prazer de connoisseur! – completei.
Parou, olhou-me, continuou a segurar minha mão.
– Não pergunte meu nome! O seu... carioca! Isso! Carioca!
Sorri.
– A lógica do imaginário!
Um avião atravessou o céu, bem no alto, silencioso, acompanhei sua trajetória, não quis naquele momento olhar de novo para ela, preferi imaginá-la, bela, elástica, pele suave, cabelo negro, apenas nossos lábios se tocaram uma vez, as mãos, não queria mais do que aquilo, a essência do meu prazer nesse instante era apenas saber da sua existência, refinamento senil? Resisti à tentação de agarrá-la, não queria o vulgar, era como recobrar minha liberdade, talvez minha juventude.
|